quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Sou vagabundo, confesso

Tomo emprestado o título de hoje do pessoal da banda Dazaranha, a quem sempre admirei, desde os primórdios, quando, inclusive, escrevi uma crítica chamada Dazaranha é massa. Acontece que ainda ouço por aí a velha história da cigarra e da formiga como sendo exemplar, principalmente em Santa Catarina, estado que cultiva esse amor que nunca tive pelo trabalho acima de tudo.

O escritor Moacyr Scliar, no livro O Texto, ou: a Vida conta história de dois vizinhos de cerca. Um deles saia para trabalhar todos os dias, no mesmo horário. O outro, o escritor, ficava na varanda lendo. O primeiro, sempre que passava, perguntava; “descansando, escritor?”. E este respondia: “Não, trabalhando”. Um dia, o escritor estava mexendo no jardim e o vizinho, antes de trabalhar, disse: “Ah, trabalhando, escritor?”, e este respondeu: “Não, descansando”.

Essa mania é tanta, que o pai de um baixista profissional (ou seja, vive da música) perguntou a ele – com uma inocência perturbadora – se estava trabalhando ou “só tocando”. Esse ideário coletivo é muito mais que comum (e irritante), porque não leva em consideração a possibilidade da existência das cigarras, da arte, e da sobrevivência do artista.

É comum, por exemplo, escritores serem convidados para falar e não receberem nada por isso. Os caras pagam hospedagem, alimentação e transporte, mas o motivo principal não precisa de grana, porque, pelo jeito, escritor não precisa comer, vestir ou respirar, basta escrever. Nessa cadeia de negócios, o dono do hotel, do restaurante e do posto de gasolina recebem, porque são atividades consideradas “normais”. Mas escrever é coisa de desocupado, de quem não tem o que fazer. Sendo assim, sou vagabundo, e confessado está. E, como em qualquer outra atividade, deveriam inserir os atos de ler, pensar e escrever como parte do capitalismo selvagem. Levei anos estudando para ser vagabundo, e não existe ainda esse diploma, talvez o mais importante da cadeia produtiva. Mas minha vagabundagem tem pedigree, por favor.

Fábio Bruggemann
http://www.bloguedobruggemann.blogspot.com/

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